5.15.2012

O pequeno João de Barro e sua asa quebrada

O que me conta de novo? Voou por esses dias? Eu quebrei a minha asa, parei de voar por um tempo. Foi bom, comecei a reconstruir a minha casa, fiquei tanto tempo voando, te mostrando as paisagens que visitei pelo mundo a fora que esqueci da minha casa, meu ninho. Por esses dias revesti com palha, folhas da floresta orgânica, lembra, que passamos por lá? Eu encontrei por esses dias que a minha asa quebrou.

Encontrei tanta coisa sabia? Tanta, mas tanta coisa. Objetos decorativos, sentimentos que eu havia esquecido. Encontrei a tristeza, ela com seu jeito torto de agir e com sua insônia insolente, sempre me acordava a noite, logo quando eu fazia o curativo da minha asa quebrada, me ajeitava na cama, tomava alguns comprimidos para não sentir dor, caso eu deita-se em cima da minha asa, então, eu fechava os meus olhos, tentando lembrar que você estava voando, enquanto eu estava impedido de voar; então ela me acordava, a tristeza, sentava ao lado da cama, gélida como sempre, não tinha como não senti-la, eu abria os olhos e lá estava ela, chorosa, com suas depressões e ainda com notícias de você, eu dizia a ela que não me interessava, que eu estava aproveitando esse tempo para me arrumar, deixar minhas penas mais bonitas e ela insistia em dizer que queria conversar comigo e confesso que não conseguia dizer não - ela é sempre insiste que e eu sempre sedo - quando eu via já era de manhã, meus amigos das árvores vizinhas, já estavam despertos, cantando, dando comida aos filhos, as vezes a tristeza continuava a falar durante o dia, tirava apenas alguns cochilos durante a tarde, enquanto eu tentava decorar minha visão, meus movimentos, só que eu evitava mexer nos móveis do coração, sabia que lá estaria uma bagunça, que eu encontraria vestígios teus concretos.

E a tua viagem está boa? Conseguiu chegar a praia? Eu sempre fui a praia enquanto as minhas asas agüentavam, uma vez fomos juntos, não, fomos mais de uma vez. Uma vez os pombos ficaram irritados com a gente, por que éramos pássaros viajados e eles coitados, comiam resto. [tempo] Não comentarei mais sobre você, aliás, não me mande mais notícias, sei que o que você escreve é pra dizer que está tudo bem, mas tenho certeza que deve ter passado muita fome, frio e chuva, viajando por aí sozinho, é bom, eu viajo sozinho às vezes, só que normalmente tenho vários companheiros, amigos que voam na minha latitude e é sempre tão divertido, a gente faz umas paradas tão boas, exploramos o que há de mais bonito. Fomos a outros países. Isso quando a minha asa ainda estava boa.

Hoje assim que a tristeza saiu para visitar o meu vizinho, ele perdeu parte das sua penas, levou banho de água quente de um corvo que apareceu aqui por esses dias, ela foi lá pra desabafar um pouco com ele. Fiquei feliz, porque ela é minha amiga, as vezes eu gosto de recebê-la aqui, mas é que ela tem ficado aqui muito tempo e isso me incomoda, me atrapalha para fazer as coisas, fico sempre dando atenção ela. Te não contei que assim que você, antes de viajar, quebrou os galhos da minha árvore, o desespero, apareceu aqui do nada? Fazia tanto tempo que eu não o via, você tinha de ver como ele está feio, acabado, ta gordo, agressivo, me deixou louquinho, falava tudo meio rápido, desarrumou os móveis, quis gritar e como ele é muito grande e forte, quase que eu não consegui detê-lo, por pouco ele não me atirou arvore abaixo. Com tamanha confusão, os meus amigos vizinhos aqui do lado esquerdo, vieram me ajudar e a acalmá-lo, eu acho que ele está usando drogas, pois das outras vezes ele, aparecia dava um “oi” e ia embora, mas não, dessa vez se não fosse os meus vizinhos do lado esquerdo aparecerem, ele teria me matado - Deus me livre em vôo!

Desde que você quebrou os galhos da minha árvore e expeliu junto contigo o Sabiá...Ah como eu amava o Sabiá, o canto dele era sempre tão bom, nos conhecemos a muito tempo, apesar que eu sabia que as vezes ele desafinava, fizemos aulas de canto juntos e sempre cantávamos num coral de brincadeiras que inventamos; eu o conhecia, o agudo de sua voz era falsete inúmeras vezes e ele sabia que eu sabia. Ficava em segredo nosso, as vezes eu comentava isso, mas ninguém acreditava, afinal ele é sempre muito bonito, canta bem, humilde, quase em extinção. Mandaram-me uma notícia dele essa semana também, que coisa, essa semana recebi tanta coisa, tantas notícias, tantas visitas, isso só porque eu não posso voar, se pudesse, eu teria ido visitar uns amigos da serra, lá a vista é tão bonita. Me disseram que o Sabiá, não quer mais cantar. Que depois que você entrou na composição da nova musica dele, ele se frustrou, eu não acreditei não, ele é forte e não é qualquer coisa que impede sua inspiração para compor. Ok, quem me disse foram as Borboletas, sei que elas gostam de embelezar e deixar o verde mais colorido, e eu acredito nelas, só não tenho acreditado no que fiquei sabendo do Sabiá. E eu te pergunto, por que você quis compor com o Sabiá? Você sabe que eu também canto e nunca me ajudou a compor, por aqueles tempos que você morou aqui, sempre me dizia que não estava para escrever nada, meio revoltado agora, claro que antes de você quebrar os galhos da minha árvore estava mais tranqüilo, só não queria saber muito de mim.

É, hoje eu revolvi falar muito, estava guardando muito, precisava tentar arrumar tudo isso aqui. O Beija-Flor, me trouxe um material de limpeza para eu limpar tudo, trouxe: força em gel, esperança líquida, um pouco de coragem para misturar com motivação, disse que é bom pra remover as manchas do piso. Ah! Também trouxe um abraço, um aconchego e dois tapas nas costas, é bom, assim eu arejo e lustro os pensamentos. O Beijo-Flor é sempre assim, vem trás e depois continua de flor em flor. Eu queria ser um Beija-Flor, sempre em movimento, sempre está onde tem doce e cor, impossível segurar um Beija-Flor, já viu um na gaiola? Ele não agüenta e nunca sente falta de estar preso, a liberdade é a felicidade dele.

Então ele se foi e eu comecei.

Achei algumas fotografias ao lado da minha cama, que eu não reparava a muito tempo, havia foto com: As Borboletas, com o Beija-Flor, com Você, com o Canário, com os Periquitos, com o Tucano, a Andorinha e com o Sabiá. E começou a ventar na hora, pensei que fosse chover, mas não era chuva, era Saudade chegando, ela vem levezinha, com seu ventinho que se sente no fundo da alma, se ela fosse uma pássaro como a gente, acho que ela seria um Papagaio, por que sempre repete as palavras sensitivas ao passar por nós. E eu acho o Papagaio bonito, às vezes incomoda, mas é um companheiro e faz bem tê-lo por perto, ele nos avisa de algum perigo.

Assim que ela passou, eu fechei as cortinas, organizei as fotos, joguei a sua, por que não queria imaginar que você estaria explorando novas imagens, vento no bico, sem mim. Eu preferia não ter te conhecido, por que dói saber que existe alguém como você voando pelo mundo. Nesse momento que eu pensava em você, lá embaixo, começa latir o Apego, estava latindo alto, me incomodou, joguei água, pedra e até alpiste, ele não queria ir embora, ficou horas latindo alto, anoiteceu e dormiu encostado na minha árvore e acredita que está até agora lá embaixo? Fazendo guarda - Ai esse Apego, por isso que é um cachorro, não separa por nada, mas sei que quando ele cansar ele vai procurar outra arvore para se encostar.

Pronto, cheguei, aos móveis do coração, o principal – o baú, estava cheio de pó, senti nele um cheiro de mar, água salgada, de choro mesmo, deve ter se entristecido por esses dias, estava velho tadinho, com uma pintura craquelada – E pensar que eu tinha dado ele pra você, mas você não gostou, achou ele velho, pesado e nem tão bonito assim. Lembro que na época que resolvi te dar um dos meus bens mais preciosos, você recusou, me deixou chateado e acho que ele também, desde então não reparei nele, continuei minhas viagens contigo e deixei-o aqui, pensei que ele estava seguro, entretanto ele sentiu minha falta, sentiu a sua rejeição, coitado!

Só que o Medo me telefonava no momento que em que ia abri o baú do coração. Ficou um tempo conversando comigo. Quando eu desliguei, fui deitar um pouco, não me sentia muito bem, sentia frio, coloquei uma musica pra relaxar, era “Mary Voices Piu” seu piado é incrível. Chorei um pouco, acho que por você, pelo Sabiá, pelo baú do coração, pelas viagens, por minha asa quebrada, pelos vizinhos do lado esquerdo, por tudo.

Me sentia apertado!

A tarde, decidi abrir o baú.

Eu tremia, a minha asa doía um pouco, não tinha feito o curativo ainda. O baú do coração estava meio mofado, encontrei tanta coisa que eu havia esquecido. Lá encontrei algumas penas do meu falecido pai, pego por um gavião em fúria. Lá encontrei algumas folhas escritas, alguns cartões, alguns objetos do passado que nem lembrava mais, alguns presentes ganhados de uns pássaros em que compartilhei o meu baú para que guardassem seus utensílios antes de levantarmos vôo juntos. Havia muita coisa do Sabiá também e alguns vestígios teus. Lembrei que você estava longe e é ruim se sentir sozinho, só que agora abria o baú, não feito antes. Senti meu rosto molhado, olhei em volta e vi que a tristeza tinha voltado, estava a porta, o apego latia lá embaixo, senti o tremor do desespero chegando novamente. Rapidamente limpei o baú, deixei lustrado, fechei-o e nada tirei de lá. Por um bom tempo deixarei fechado, antes que a dona saudade venha como tempestade e desarrume tudo aqui, gosto dela leve, como um vento geladinho no verão.

Aguardo levantar vôo, os próximos serão lindos, eu sei, por que pelo menos minha casinha está organizada, limpa e cheirosa. E minha asa?!

Ah, esqueci de falar, eu sei voar com uma asa só...

http://www.youtube.com/watch?v=sqRFAlCtE04

2.12.2012

O amor acaba...

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; [...] no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; [...] uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; [...] na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

[Paulo Mendes Campos]